As obras que vem sendo compostas desde as
primeiras décadas do século ......maioria dos ouvintes de música clássica
desconhece a música do próprio tempo. É comum ouvir opiniões do tipo
"isso não é música" ou similares, e essas opiniões vêm se
repetindo desde as primeiras décadas do século, indiferentes às
muitas mudanças de estilos de composição desde aquela época até
hoje.
As últimas quatro ou cinco gerações constituem, na verdade, um estágio
inédito na história da recepção musical do Ocidente: a
"nossa" música, aquela que se ouve diariamente e faz parte da
nossa vida, é a música do passado, um século ou mais para trás, e a
música que está sendo escrita hoje fica para a platéia do futuro, se
houver.
Num sentido estrito, pode-se aceitar o clichê de que a música
contemporânea "não é música": não é mais a música
escrita segundo os princípios que regeram a composição do fim da
Renascença ao fim do romantismo. Não é tonal; não tem melodias (ou não
como se está acostumado), não segue a lógica dos gêneros musicais
estabelecidos.
Isso não quer dizer que não seja música, mas sim que o seu interesse
foi deslocado para outros elementos e atende a uma outra lógica.
Desde o dodecafonismo de Arnold Schoemberg e o serialismo de seu discípulo
Anton Webern, nas décadas de 1910-30, a música vem se metamorfoseando
de modo instigante e com resultados tão convincentes quanto os de
qualquer período, para quem tiver ouvidos para ouvir. Nos últimos
anos, a composição tem incorporado com sucesso especial os
computadores e instrumental eletrônico, muitas vezes em aliança com músicos
ao vivo.
Mas o grau de inovação da música contemporânea (que exige um
considerável esforço inicial do ouvinte para aprender novas
linguagens), aliado ao desenvolvimento extraordinário dos meios de
reprodução sonora (que deixam todo o repertório antigo ao alcance da
mão) e da indústria de concertos (sempre voltada para um público mais
tradicional), acabaram resultando num grande abismo entre os
compositores e o público de hoje.
A situação é insólita. Como se leitores de literatura não lessem
nenhum autor do nosso século, e apreciadores de artes visuais se
recusassem a ver quadros contemporâneos. No caso dessas outras artes, a
tendência é geralmente oposta: cultiva-se mais o atual do que o
antigo. Mas não há perspectiva de reverter a curto prazo esse divórcio
entre platéia e músicos contemporâneos, o que é uma pena.
Mesmo assim, nomes como Olivier Messiaen, Karlheinz Stockhausen, Pierre
Boulez, Luciano Berio ou Giorgy Ligeti já se integraram ao cânone da
composição, ombro a ombro com os mestres do passado. Acompanhar a obra
dos compositores que estão inventando a música do nosso tempo é um
prazer especial, que não deve ser ignorado por ninguém.(AN)
Pierre Boulez (França, 1925)
Compositor, regente, professor e ensaísta, Pierre Boulez é criador do
Ircam, um centro de pesquisa acústica e musical financiado pelo governo
francês. Dirige o Ensemble Inter Contemporain, um conjunto de música
contemporânea, e rege regularmente orquestras como as de Cleveland,
Viena, Londres e Paris. Herdeiro musical de Debussy, Boulez é o autor
de um bom numero de obras estabelecidas no repertório de concerto, como
"Le Marteau sans Maître" (1957), "Pli selon Pli"
(1962), "Eclat/Multiples" (1970), "Rituel" (1975) e
"Répons" (1981/92), esta última uma espécie de "work
in progress" para seis solistas, orquestra e um programa de
computador, considerada por muitos como sua obra-prima.
Luciano Berio (Itália, 1925)
Companheiro de Boulez e Stockhausen nos cursos de composição em
Darmstadt nas décadas de 50 e 60, Luciano Berio é autor de uma das
obras mais acessíveis do repertório contemporâneo. Pioneiro da música
eletroacústica ("Omaggio a Joyce", 1958), virtuosístico no
emprego inovador de instrumentos tradicionais ("Sequenze" para
piano solo, trompete solo, viola solo etc), Berio é ainda um dos mais
consagrados compositores vocais da atualidade ("Recital for Cathy,
Folk Songs, Cries of London"). Sua Sinfonia, estreada por Leonard
Bernstein regendo a Filarmônica de Nova York, em 1968, estabeleceu um
marco não só na música, mas num movimento intelectual mais amplo,
conhecido superficialmente como "pós-modernismo".
Karlheinz Stockhausen (Alemanha, 1928)
Assim como Boulez, Stockhausen foi aluno de Olivier Messiaen, com quem
aprendeu a importância de sistematizar a inspiração bruta e o impulso
de experimentação. Autor de uma das primeiras obras reconhecidamente
importantes da música eletroacústica ("Gesang der Jünglinge",
1956), assim como das "Klavierstücke" (1952-56), que inventam
o piano como um novo instrumento, Stockausen passou do serialismo
integral (onde todos os elementos da composição são tratados como séries)
à música mântrica ("Stimmung", 1968), de peças sinfônicas
como "Gruppen" (para três orquestras, 1957) à música para
fita magnética e à ópera (o ciclo "Licht", projetado em
sete partes, das quais quatro já foram estreadas).
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