A ópera é um mundo de paixões e ela provoca
apaixonados. Não há gênero que mexa com mais força e violência no
ouvinte, que é sempre, de alguma maneira, espectador. Porque a ópera
é também, e essencialmente, teatro. Um teatro onde as emoções
vividas pelos personagens foram intensificadas até atingir o ponto de
paroxismo por obra da música. A ópera não é um teatro musical, é um
teatro feito de música.
O texto da ópera, chamado libreto, é, na grande maioria das vezes,
escrito em verso e concebido de maneira simplificada. Ele não se
sustenta por si só, como uma peça, porque precisa ser alimentado pela
música, criadora do poder de convicção que as palavras e as
situações adquirem em cena. Por essa razão, o compositor da ópera é
sempre muito mais importante do que o autor do libreto. Entretanto, ao
tomar um libreto para compor uma ópera, o músico depende do desenrolar
da história. Não é possível compreender a ópera isolando uma coisa
e outra. Imaginar que se possa ouvi-la como se ouve uma sinfonia, um
quarteto de cordas ou uma sonata é engano. Basta pensar num dado
simples: que sinfonia, que quarteto, que sonata agüentariam durar as
quatro horas do "Crepúsculo dos deuses" de Wagner, ou as
três e tantas do "D. Carlo" de Verdi? É que os primeiros
são feitos de sons que se organizam e se desenrolam no tempo, enquanto
os segundos narram uma história. O tempo da ópera é o tempo da
história que deve ser contada com música.
A ópera nasceu por voltas de 1600. Alguns artistas e intelectuais
italianos tentaram recriar a antiga tragédia grega que incorporava
também a música, embora essa música se tivesse perdido. O resultado
foi um gênero inteiramente novo, cuja força dramática imediatamente
se impôs.
Como toda música "erudita", os espetáculos de ópera nunca
são sonorizados, a não ser quando apresentados em locais adequados, ao
ar livre, em produções de baixa qualidade artística. No início, os
teatros eram pequenos e as orquestras reduzidas. Mesmo assim, cantar uma
ópera significava já um esforço considerável. Com a ampliação das
salas e o aumento das orquestras ocorrido no século passado, com a
escrita cada vez mais exigente dos compositores, cantar um ópera
tornou-se uma espécie de proeza atlética. Exige-se dos cantores
musicalidade, beleza de timbre, mas também volume e capacidade de
atingir notas que vão do grave ao agudo numa amplitude muito grande.
Ter voz não é dado a todo mundo e muitas vezes quem a possui não
apresenta o físico correspondente para os papéis que deve representar.
Os tenores são os galãs das histórias; Pavarotti é tenor; apesar do
seu tamanho, ele deve encarnar papéis por vezes de jovens românticos.
Ou então, é o soprano enorme que possui uma voz perfeita para
interpretar a parte de Mme. Butterfly (Puccini), uma gueixa delicada.
Estas são as situações que mais espantam quem não conhece ou não
gosta de ópera.
É claro que uma correspondência entre o personagem e o cantor é
desejável: por exemplo, os nossos dois jovens brasileiros Rosana Lamosa
e Fernando Portari interpretando maravilhosamente o "Elisir d'Amore"
(Donizetti). Mas mesmo quando o intérprete possui um físico ingrato,
se ele canta realmente bem, há uma espécie de milagre que acontece: a
música o transforma no personagem e o público passa acreditar na
Butterfly de 130 quilos.
Há quem adore, há quem odeie, há quem despreze a ópera. Raras são
as posições de meio-termo: o gênero possui uma tal força que elimina
os indiferentes. Amar a ópera significa, no entanto, uma fonte muito
forte de prazer e vale a pena tentar.
Para quem nunca teve contacto com a ópera, creio que o melhor seria
começar ouvindo certos trechos, as árias, que são partes de solistas
mais desenvolvidas e que possuem uma unidade. um bom método é comparar
interpretações -duas, três ou mais- e tentar distinguir as
diferenças de timbres dos cantores, o modo de desenhar as frases, tanto
do ponto de vista melódico quanto dramático. Assistir a uma ópera ao
vivo pode ser também -se ela for bem interpretada- uma experiência
marcante. hoje, os teatros projetam a tradução dos textos originais
(cantados em italiano, alemão, francês etc.) ao mesmo tempo que a
ação se desenrola no palco. Isto facilita muito a compreensão do que
está ocorrendo e mesmo o mais completo neófito pode, sem nenhuma
preparação, ir a uma ópera como se fosse ao cinema. Há também a
audição integral, em casa, pelos discos. É preciso então escolher
com cuidado as gravações, porque uma interpretação ruim pode dispor
o ouvinte para sempre contra uma bela obra.
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